Ensino Profissional em Santos Dumont: valores e legado
O Projeto Memórias da Educação Profissional, do Campus Santos Dumont do IF Sudeste MG, promoveu, em 6 de julho de 2021, um encontro virtual com a comunidade para apresentar seu protótipo de Museu Virtual e receber colaborações. A ideia era identificar outros fatos significativos da trajetória de 80 anos de Educação Profissional no município que pudessem ser agregados a seu acervo de informações e imagens.
Participaram do evento ex-alunos e ex-funcionários das escolas que precederam o Campus Santos Dumont, a equipe do projeto e o diretor-geral da unidade, Benedito Carvalho. A reunião se transformou num agradável e nostálgico bate-papo sobre histórias e momentos marcantes de diferentes fases das instituições de ensino que foram sediadas no Quarto Depósito antes do IF Sudeste MG: a Escola Profissional de Santos Dumont (1941-1943), a Escola Profissional Fernando Guimarães (1943-1973), o Centro de Formação Profissional de Santos Dumont (1974-2004) e o Centro Municipal de Educação Profissional – Cemep – de Santos Dumont (2004-2008).
É importante destacar que várias referências à instituição nos depoimentos ou mesmo em nosso texto (quando necessário) aparecem como “Escola Profissional”, mas elas não necessariamente remetem ao período anterior a 1974, pois a expressão foi socialmente consagrada como a que definia aquele espaço, mesmo quando ele passou a ser oficialmente chamado de Centro de Formação Profissional, em 1974.
Foi uma longa conversa, que passou também pela ressonância dos tempos escolares nas vidas dos participantes e levou a reflexões relevantes para o desenvolvimento do projeto e para o reconhecimento deste espaço físico como um patrimônio histórico da comunidade sandumonense.
Os relatos, compartilhados com emoção pelos convidados, mostraram que a educação foi para eles muito além da transmissão de conhecimento. Em diversos momentos da reunião, os participantes ressaltaram o quanto a escola contribuiu na formação humana de seus alunos e ainda o faz enquanto Instituto Federal.
“A Escola profissional contribuiu na formação do caráter humano e de responsabilidade“, Vinícius (ex-aluno).
“O Centro de Formação ajudou muito no caráter“, Carlos (ex-aluno).
“A formação mais relevante não é a técnica, é a formação cidadã que tivemos”, Ricardo Aloisio (ex-aluno e ex-supervisor).
Alunos em uniforme de gala
Esses valores eram ensinados não apenas pelos professores e funcionários, mas também transmitidos pelos alunos mais velhos aos mais novos. Após experiências como aluno, professor e diretor, Vander Montessi lembra que “tinha uma hierarquia entre os mais velhos e os mais novos“. Essa aproximação entre as turmas mais adiantadas e as iniciantes contribuiu muito para que os alunos criassem um vínculo ainda maior com a escola. De acordo com Ricardo Aloisio, aliás, “não era uma escola, era uma irmandade”.
Uma referência para todos os sandumonenses
A admissão pela Escola Profissional era considerada uma grande conquista, como evidenciam os depoimentos a seguir:
“Era uma escola que vinha de tradição – pai para filho”, Vitor Montessi (ex-aluno).
“Entrar na Escola Profissional era um sonho”, Ricardo Aloisio.
Esse sonho se cumpria em um contexto desafiador da sociedade. Na época, existiam poucas escolas profissionais no Brasil, e em Santos Dumont não havia escolas de “segundo grau” gratuitas. A Escola Profissional alimentava o sonho de um emprego certo, além da remuneração, concedida aos alunos pela Rede Ferroviária Federal, que ajudava a pagar os estudos regulares e a manutenção da família.
“Através da Escola Profissional consegui concluir meu segundo grau”, Vitor Montessi.
“Eu me formei lá e tive oportunidade de trabalhar na MRS”, America Boza (ex-aluno).
“O desejo dos alunos era trabalhar na Rede Ferroviária Federal na época, que era o emprego almejado por muitos, era de grande reconhecimento. Quem trabalhasse ali tinha, por assim dizer, um grande trunfo na vida”, Carlos José.
“Para mim este salário fazia muita diferença”, America Boza.
No entanto, a rotina de estudos não era fácil. Os alunos tinham a oportunidade de passar por diversas áreas e cumpriam uma carga horária de ensino que ultrapassava as dos atuais cursos técnicos integrados e até as de muitos cursos de graduação.
“Mostro hoje, não acreditam: 4.800 horas – mais carga horária que nível superior”, Ricardo Aloisio.
“O ensino era tão rigoroso, que empresas de fora contratavam só pelo fato de ser ex-aluno da escola”, America Boza.
A leitura dessas frases permite perceber como foram determinantes para essas pessoas as vivências que tiveram dentro deste ambiente escolar e como isso efetivamente faz parte da história delas. São nítidos o amor e a propriedade com que falam, pois viveram estes momentos e não simplesmente passaram por eles.
A equipe do projeto Memórias da Educação Profissional, ao se deparar com esses relatos, percebe como, de fato, a identificação, preservação e comunicação desse legado não são apenas uma responsabilidade institucional, mas também e principalmente social.
Ensino Profissional em Santos Dumont: um modo de vida
Durante a reunião, algumas pessoas compartilharam histórias pessoais, a exemplo de Carlos José, o Zezé, como ele mesmo prefere ser chamado. Zezé relatou casos em que seu superior lhe chamava a atenção, com destaque para o muito lembrado senhor Diomedes, citado várias vezes na conversa em episódios que, embora singelos, ficaram marcados na vida dessas pessoas.
Entre sorrisos e lágrimas, Zezé contou que uma vez, por algum motivo, decidiu pular um portão que havia ali, só que bem ao alcance do olhar do senhor Diomedes. Este prontamente lhe chamou atenção e, com gentileza e liderança, ordenou que passasse pelo portão da forma correta.
Alunos do CFP; à esquerda, o Senhor Diomedes
Assim foram se formando o caráter e o estilo de vida de várias pessoas que hoje fazem a diferença na sociedade. O orgulho de fazer parte dessa escola era tanto, que na lembrança vem o sentimento de como era gostoso usar o famoso uniforme de gala, com toda a pompa e o peso que ele representava para a “sociedade jovem” da época.
“Desfilar com aquele uniforme era como desfilar com a farda do exército. Depois disso eram os Jogos (Estudantis da Primavera), e era só alegria“, Carlos José.
O famoso uniforme de gala, durante desfile do Dia da Asa (23 de outubro)
Cerimônia de abertura dos Jogos da Primavera, evento tradicional de Santos Dumont (1981)
Um legado visível aonde quer que você vá em Santos Dumont
A Escola Profissional atuou na confecção de diversos símbolos importantes para Santos Dumont e que hoje fazem parte da paisagem da cidade. Muitos alunos participaram da construção de réplicas do famoso avião 14-bis: uma que se encontra na entrada da cidade e o outra que exposta no Museu de Cabangu. Um grupo de alunos também foi responsável pela construção da réplica da Torre Eiffel, hoje no Centro da cidade.
“O período da Escola Profissional foi muito importante porque participei da construção do avião 14-bis e da Torre“, Lery, ex-aluno.
Fotografia da colocação da réplica da Torre Eiffel, construída nos ambientes da escola e posicionada na avenida principal da cidade (Presidente Getúlio Vargas, Centro)
Dia da inauguração do 14-bis. Construído por ex-alunos e exposto na entrada da cidade, o monumento foi muito citado em nossa reunião
Os alunos também participavam das obras e cuidados relativos ao ambiente escolar. Carlos José comentou que ajudou a construir partes do Centro de Formação Profissional que foram usufruídas por turmas que sucederam a sua:
“Fui servente de pedreiro na construção da parte nova. Os alunos cuidavam da escola”, Lery.
“A gente tinha um amor pela escola”, Ricardo Aloisio.
Os frutos desta escola estão espalhados por toda a cidade: basta olhar ao redor e você verá! Famílias inteiras construídas ali, paixões e amores:
“Fico muito feliz de esta lembrança ser preservada”, Célia Ibrahim Lima (ex-funcionária e filha do ex-diretor Acyr Loureiro Lima)
Tudo isso é nossa história, história da nossa cidade. A Escola Profissional, em suas diversas fases, fez e faz parte da vida de todos os sandumonenses, como sonho, lembrança, saudade, alegria, tristeza e momentos marcantes que devem ser compartilhados e preservados. A seguir, mais depoimentos que reforçam essas percepções:
“Fiz parte do primeiro Conselho Superior (a composição do órgão conta com um membro da sociedade civil) do Instituto (Federal do Sudeste de Minas Gerais”, Vander Montessi.
“Participei do (encontro dos) 60 anos, 70 anos e 80 anos“, Vitor Montessi.
“O resultado que tenho hoje vejo que vem lá da Escola Profissional”, Ricardo Aloisio.
“Foi um marco muito importante na minha vida“, Lery.
NOSSA ESCOLA É 10!
Há dez anos, nesta cidade, neste local que já havia abrigado outras instituições de ensino e transformado inúmeras vidas por meio da educação profissional, foi inaugurado o Campus Santos Dumont do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais.
A missão deste espaço de formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho foi elevada a formar cidadãos qualificados para atuar no mundo do trabalho.
Em uma década, inúmeras pessoas passaram por essas instalações sejam aprendendo,
ensinando, ou apoiando essas duas atividades. Cada uma delas foi transformada por este ambiente de alguma forma e contribuiu para um país melhor, mais justo e mais digno. Porque, sim, a educação tem esse poder!
Ao Campus Santos Dumont, nossos parabéns e nosso muito obrigado!
Por PAULA SOUZA DA SILVA